sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

12/02/2010, 8h da manhã

Brasília. Nasci em Brasília. A cada dia essa cidade se torna algo novo. Sempre aprendi a amar Brasília, cidade sempre agradável. Apesar, quanto mais aprendi sobre sua história e percebi sua conjuntura, mais aprendi a odiá-la. Uma cidade que desde a vila IAPI e a Cidade Livre aprendeu a expulsar sua verdadeira população e acolher a nobreza do país. Enfim. Mil são as razões para rejeitar Brasília, assim como mil são para amá-la, ou pelo menos seu possível futuro. Aliás, impossível. Inspiradamente utópico. É alvorada. Gritos de samba urgem da praça. São três poderes em época de carnaval. A polícia militar está presente assim como a federal. Vagabundos amanhacem na praça como de usual. Estamos na praça dos três poderes, vemos o Congresso Federal, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto em obras. Há algo de diferente, desta vez os vagabundos estão metros mais perto de uma das instâncias super poderosas. A praça dos três poderes sempre foi um dos principais locais de aglomeração para boêmios brasilienses, em busca de  um fim de noite, um lugar de paz e liberdade. É comum ver pequenas rodas de candangos com violas e vinhos por todos os lados, culminando em uma grande tocha, local de devaneios, de diferentes histórias. Dessa vez, os boêmios amanhecem nas rampas do Superior Tribunal Federal, é virada do dia 12 de fevereiro. Uma sexta-feira de carnaval, primeira da década. Eles comemoram. Estranhamente são poucos. Há algo incomum na vadiagem. Na madrugada som rupestre, de raíz. Na manhã, molejo diferente. Ando em direção aos ministérios. Em cada lado das avenidas existem fileiras de prédios uniformes, acompanhados por calçadas repletas de trabalhadores. Parecem alheios a tanta comemoração, rumo ao trabalho, contando as horas finais para o feriado próximo, o mais importante do país. Dizem que para o Brasil, o ano só começa depois do carnaval. Pelo menos para o DF, apesar  de mínima mudança, pode-se dizer que há algo de diferente. Vejo ao meu redor elementos que envolvem todas as minhas angústias. Inúmeros são os carros, sendo maioria com apenas um motorista. São pelo menos seis faixas para carros, nenhuma para transporte alternativo. Nesse horários poucos são os carros de autoridades, principalmente perto do fim de semana, mas normalmente pode-se dizer que são as ruas com maior incidência de corrupção do Brasil, prefiro dizer, do mundo. Do outro lado das avenidas, através da esplanada, existem barracas de lona preta. Chutariam Sem-Terra, se não fossem pelos adereços indígenas. Estão em frente ao Ministério da Justiça.Engraçado quando conhecemos o mundo além da mídia. Nos faz perceber que às vezes quando sabemos de tudo, algumas coisas simplesmente "fogem" a nossa percepção. Vou rumo ao meu último dia de trabalho, épico. Melhor impossível. Finalmente estou liberto. Sentirei falta das pessoas que conheci, assim como sinto falta daquelas que ainda devo conhecer. Entro no Ministério. Não lembro de ter entrado tão cedo. As pessoas parecem normalmente felizes. São todas servidoras, funcionarias. Chego ao quinto andar, do ministro. Apenas se fazem presentes funcionários mais simples. Nas TVs aparecem relatos midiaticamente memoráveis do dia anterior. Na minha cabeça as coisas andam meio confusas. Parece que a ficha não caiu. Comemoremos enquanto podemos, rico não fica muito tempo na piramba. Dou uma última olhada no que me aparece na tela do computador. Parece que existe algo de diferente. Uma excitação interior. Quero gritar, explodir. Não pela queda de um ou outro. Pela licergia que há em mim. Pelo fato de aquilo que um dia se mostrou impossível, hoje se torna passado, e simplesmente por vermos que esse é apenas o primeiro passo de um ininterrupta jornada. Nada e tudo foi conquistado. Dizem que, durante a madrugada, esperávamos  o julgamento do habeas corpus, para mim foi apenas mais uma celebração, uma das melhoras. Do nosso poder. Do dizer não. De descontruir. Sim, descontruir, sem construir. Pois se fosse diferente, seríamos os mesmos, apenas mudaria a sigla. Hoje o céu mais uma vez se mostra inesperado. A luz do sol se espreme no entre nuvens. Característico de lugar nenhum, há um aspecto de calor e temperatura agradável. Ao mesmo tempo, uma chuva ameaça, apesar de notoriamente só descarregar sua vontade no fim da tarde. Gostaria que caísse, para lavar a alma. De um lado há um prédio dividido em dois, cercados por dois pratos. Inúmeros são os órgãos federais em volta. No outro extremo vejo uma melancólica rodoviária. Uma torre de ferro. Poucas pessoas, considerando que se trata da capital de um dos países mais populosos. Muito verde, de maioria não nativo.
Hoje o jornal diz: Arruda dorme preso.
Amanhã ele está solto. Foda-se. Comemoremos que ontem me deleitei com  meus pares em um prédio público, na maior das liberdades, enquanto este sujeito estava onde estava. Nem metade do que merecia. Segundo uma senhora do trampo o mínimo era a forca. Concordo em gênero, número e grau. Saboreio a perspectiva de minha liberdade e de seu aprisionamento. Não me refiro a uma prisão física. É sabido que ele não estava em uma verdadeira prisão, nada comparado ao que companheiros afetados por males sociais e que causaram males infinitamente menores ainda são submetidos a aguentar. Na verdade, se percebe que o que ocorreu foi uma piada. Apesar disso, imagino como deve andar sua consciência. Sou livre. Ele não. Sou livre de bens, de pensamentos, para a existência. A prisão que está submetido é aterradora. O limita. Existe uma pequena jaula ao redor de seu pequeno cérebro. Imagino que deve estar comendo suas próprias entranhas, delineando ações políticas. Remoendo estratégias de coerção que dependendo de execução poderiam ter sido perfeitamente factíveis e despercebidas. Projetando novas, estas infalíveis. Talvez o sejam, provavalmente não. Encrustadas em seu âmago. Aí encontro minha felicidade. Assim como encontro embasamento póstumo aos devaneios da noite passada, a expressão da liberdade ao extremo. Em descompasso com atividades políticas, apenas expressamos o desapego e a leveza característiva de nossa geração. O repúdio a qualquer coisa relacionada a construção politicada de estruturas legais e hierarquicas. Foda-se o passado, o futuro, todos serão os mesmos. Exploremos ao máximos cada segundo, cada vivência. Estes serão eternos. Brasília, outros 50?

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